Escolha o seu idioma de preferência para tirar o máximo proveito das páginas do nosso Jornal:
English 日本語 Español Português

Fizemos muitas melhoras nas seções do nosso Jornal. Por favor, envie-nos a sua opinião ao escrever para editor@DiscoverNikkei.org!

Crônicas Nikkeis #2—Nikkei+: Histórias sobre Idiomas, Tradições, Gerações & Raças Miscigenadas

Kokiti-san

Desde criança eu gostava muito de ler, então foram muitas as personagens de livros que me chamaram a atenção. Seja o valente Momotarô, seja o excêntrico Coelho Branco de “Alice no País das Maravilhas”, foram todas figuras muito atraentes para mim.

Mais tarde, quando estava no curso secundário, a personagem Heathcliff de “O morro dos ventos uivantes” me surpreendeu bastante pelo temperamento exacerbado. E na faculdade estudei as principais obras da Literatura do Brasil e de Portugal, onde também pude conhecer personagens das mais interessantes.

Mas, até hoje, não encontrei ninguém mais marcante que “Kokiti-san”. Todas as demais personagens devem ter sido resultado da criatividade de seus autores, mas no caso de “Kokiti-san”, ele realmente existiu, não foi nenhuma invenção.

Mamãe (esq.) e sua irmã mais velha

A época era a década de 1930 e o local, uma pequena cidade do Estado de São Paulo chamada Álvares Machado. Mamãe era a segunda de 10 irmãos e, desde pequena, teve de cuidar dos irmãos menores e, por esse motivo, frequentou a escola apenas um ano, mal e mal terminando o primeiro ano primário. Mesmo assim, aproveitava o tempo de folga durante as tarefas domésticas e estudava português e japonês usando o livro dos irmãos mais velhos. A irmã acima dela, por ser a primogênita, pôde ir à escola de corte e costura, restando à mamãe “espiar” o que a irmã fazia e aprender por si mesma, tanto a costura como trabalhos manuais como o bordado e o crochê.

Aos dezessete anos, mamãe acordava de madrugada para trabalhar na roça e ficava até tarde da noite fazendo o serviço doméstico, mas aos domingos, sua maior alegria era o convívio com a família reunida.  

Foi bem nessa época que o pai dela, quer dizer, o meu avô comprou um gramofone e todo mundo se deleitava ouvindo discos de cantores como Shoji Taro.

Kokiti-san era amigo do irmão mais velho de mamãe e eles faziam parte do time de beisebol da localidade, sendo Kokiti-san o melhor jogador dentre todos. Meu tio não cansava de falar sobre isto.

Além de craque no beisebol, Kokiti-san também era bom como cantor. Nas tardes de domingo, ele costumava ir à casa de meu avô, onde ficava ouvindo as canções populares japonesas tocadas no gramofone. Ele aprendeu todas elas e cantava junto, no ritmo da melodia, trazendo mais alegria a todos da casa.

Tanto naquela época como nos dias de hoje, nikkeis jovens que são bons em beisebol e também em música popular japonesa acho que não são poucos, mas Kokiti-san era um caso especial.

Eram os anos 1980 quando mamãe me contou sobre Kokiti-san:

- Sabe, quando eu era jovenzinha, perto de casa morava um rapaz muito simpático e que era parecido com o Fábio Jr.

- Ah, é?!

Na época, Fábio Jr. era um ator e cantor dos mais conhecidos. Ao ouvir minha mãe contar que conheceu alguém chamado Kokiti-san, que era parecido com o Fábio Jr, eu não conseguia fazer ideia de como seria. “Existiu de fato um japonês que era a cara do Fábio Jr?”, eu me perguntei.

Mamãe gostava de ver as novelas brasileiras e acompanhava pela televisão todos os dias. Bem naquela época havia começado uma novela em que atuava o Fábio Jr. e deve ter sido esse o motivo de ter se lembrado do Kokiti-san.

- Então esse Kokiti-san era mestiço, não?

- Sim. Ele era filho de mãe japonesa e pai americano.

- Entendi. O pai americano também veio como imigrante para o Brasil.

- Não foi bem assim. Kokiti-san não chegou a conhecer seu pai.

- É mesmo?!

- A mãe dele imigrou para o Brasil junto com o marido, indo morar na mesma colônia onde eu nasci e me criei. Certa vez, ela foi para os Estados Unidos trabalhar, deixando seu marido no Brasil.

- Como os decasséguis de agora que vão para o Japão?

- Deve ter sido isso. Passou um tempo e ela, que não tinha filhos, engravidou nos Estados Unidos e voltou para o Brasil. Depois nasceu a criança – o Kokiti-san... O marido dela acolheu essa criança como se fosse seu próprio filho e criou com todo amor.

Naquela época, eu nem sonhava que viria a ser escritora um dia. Se pudesse adivinhar, eu teria perguntado maiores detalhes sobre a história de Kokiti-san. E, desde 1990, que foi quando comecei a escrever, por diversas vezes, essa história me veio à memória.

Se eu tivesse sabido um pouco mais, certamente Kokiti-san teria virado personagem de um livro meu.

Mas agora é tarde. Nem meu tio nem mamãe estão vivos para me dar maiores detalhes. Houve uma ocasião em que até pensei em pesquisar, indo até a cidade de mamãe, mas desisti depois de lembrar que nem sabia o sobrenome de Kokiti-san.

Mesmo assim, Kokiti-san continuará sendo “a personagem dos meus sonhos”, guardado para sempre no meu coração.

E, nesta oportunidade, fiz algo que não fazia há 50 anos: peguei papel e lápis e me pus a desenhar. Só para ver como seria o Kokiti-san – tal como mamãe descreveu-o e conforme eu imaginei.

Kokiti-san

© 2013 Laura Honda-Hasegawa

5 Estrelas

Os Favoritos da Comunidade Nima-kai

Each article submitted to this series was eligible for selection as favorites of our readers and the Editorial Committees. Thank you to everyone who voted!

Brazil colonia hapa Mixed Nikkei Chronicles nikkei-plus prewar sao paulo

Sobre esta série

Ser nikkei é intrinsecamente uma identidade com base em tradições e culturas mistas. Em muitas comunidades e famílias nikkeis em todo o mundo, não é raro usar tanto pauzinhos quanto garfos; misturar palavras japonesas com espanhol; ou comemorar a contagem regressiva do Reveillon ao modo ocidental, com champanhe, e o Oshogatsu da forma tradicional japonesa, com oozoni.

Atualmente, o site Descubra Nikkei está aceitando histórias que exploram como os nikkeis de todo o mundo percebem e vivenciam sua realidade multirracial, multinacional, multilingue e multigeracional.

Todos os artigos enviados à antologia Nikkei+ foram elegíveis para a seleção dos favoritos da nossa comunidade online. 

Aqui estão as suas histórias favoritas em cada idioma.

Para maiores informações sobre este projeto literário >>


Confira estas outras séries de Crônicas Nikkeis >>