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Histórias de Decasséguis

História nº 15 (Parte II): Arigato para “Amatchan”

Yuka nasceu no Japão e viveu lá até os 15 anos de idade, quando seus pais decidiram voltar definitivamente para o Brasil.

Para falar a verdade, ela preferia ficar no Japão, prosseguir os estudos e entrar na faculdade para estudar Nutrição. Também era seu sonho vestir quimono e passear com as amigas pela cidade para comemorar a maioridade. Mas como seus pais desejavam muito retornar ao Brasil, não teve outro jeito se não vir junto. Bem que ela se esforçou para se adaptar o mais rápido possível à nova vida.

Só que, 10 dias depois de começar a frequentar a escola de ensino médio, ela foi hostilizada pelos colegas de classe e não quis mais estudar.  Dois anos se passaram e algo aconteceu que mudou a sua vida.

- “Batchan”, sabe que no Japão eu quase não via novela, mas esta aqui é bem legal, né?

A avó estava muito feliz. Ela nem imaginava que pudesse ver a novela japonesa que tanto gostava na companhia da neta. Tinha mais 4 netos, mas nenhum deles demonstrava interesse em ver programas da televisão japonesa.

As duas não perdiam nenhum capítulo de “Amatchan”, novela da NHK que foi exibida de abril a setembro de 2013.  À medida que os capítulos se desenrolavam, Yuka foi descobrindo algo incrível: que a vida da personagem principal chamada Aki tinha muita coisa em comum com a sua própria vida. 

Tanto Yuka como Aki foram à terra natal dos pais e conheceram a avó, com quem simpatizaram e ficaram muito ligadas. Ambas eram meninas bastante discretas e tímidas, mas, com o passar do tempo, adaptaram-se ao novo ambiente e tornaram mais ativas, mais decididas.

A personagem Aki torna-se popular de maneira inesperada, depois vai a Tóquio onde passa a integrar o GMT 47, um grupo de garotas que cantam e dançam. Yuka, por sua vez, vivia trancada em casa, mas ocasionalmente um dia foi à pastelaria de seus pais, gostou do ambiente alegre e movimentado e resolveu trabalhar lá. Na parte da manhã, estudava as matérias do ensino médio com uma professora particular e, no ano seguinte, pretendia fazer o curso intensivo.

Je je je – era a expressão que a personagem Aki usava toda vez que se surpreendia e foi essa a palavra que saiu da boca da avó quando soube das decisões tomadas pela neta.

Seus pais e seu irmão também ficaram surpresos:

- Grande Yuka! Achou o que quer fazer e isto é muito bom!

Todos torciam por Yuka, esperando com carinho e compreensão que esse momento chegasse.

Estudando em casa e ajudando na pastelaria, Yuka ficou sem tempo para acompanhar a novela; pediu, então, para seu irmão gravar os capítulos, que ela via nos finais de semana. Certo domingo, um tio foi fazer uma visita e chegou bem na hora em que estava tocando o tema de abertura. Então ele disse:

- Sabe, Yuka-tchan, esta música é muito parecida com “A Banda”, que fez muito sucesso quando eu era jovem. Era a conturbada década de 1960, quando o clima no país era sombrio e o povo, ao ouvir os acordes de “A Banda”, sentiu que havia recuperado um pouco da alegria. Era como se tudo desanuviasse e o sol voltasse a brilhar novamente. E a música desta novela tem essa mesma força maravilhosa. Eu também gosto muito.

Yuka ficou encantada com as palavras do tio:

- Como o titio fala bem, quero ouvir mais. Como eu não me criei no Brasil, não sabia que houve aqui uma época tão sombria...

- Não precisa se afobar, Yuka-tchan. Vá aprendendo com calma as coisas deste país.

Vendo a novela “Amatchan”, Yuka descobriu algumas coincidências que a deixaram emocionada: as garotas do GMT47, grupo musical ao qual Aki pertencia, eram muito alegres e uma forte amizade as unia, assim como as amigas que Yuka havia deixado no Japão. O colega Taneiti, por quem Aki era apaixonada era parecido com o Ryota-kun, um colega que a Yuka gostava! Também havia o empresário Mizutaku da personagem Aki, que Yuka achou parecido com seu professor de inglês!

Mas o mais impactante ficou por conta das cenas do terremoto e tsunami de março de 2011. Yuka relembrou o pavor e a insegurança que tomou conta de todos. Depois dessa tragédia, Aki decidiu voltar a Kitasanriku para viver com a avó e cercada pelas bondosas pessoas do lugar. Do mesmo modo, a família de Yuka decidiu voltar ao Brasil, onde estavam todos os parentes e amigos.

Desde então, a canção que o GMT47 cantava, tornou-se a preferida de Yuka. Sua letra dizia: “Vamos voltar à nossa terra, vamos nos encontrar lá”. Claro, “nossa terra” para Yuka era o Brasil.

Foi-se aproximando o final do ano e uma boa notícia alegrou todos. O pastor Makoto estava chegando do Japão. Aos domingos, os pais de Yuka iam ao culto e Yuka frequentava a escola dominical, onde a esposa do pastor Makoto contava histórias sobre Jesus e ensinava lindas canções. Todos ainda lembravam os momentos felizes que passaram e estavam ansiosos pela visita, pois o pastor Makoto era uma figura importante na comunidade, ajudando os decasséguis do Brasil e do Peru, orientando-os em tudo que fosse preciso na vida no Japão.

24 de dezembro, 23 horas. A pastelaria encerrou as atividades do dia e o lugar transformou-se no salão para realizar a comemoração de Natal. Os convidados foram chegando um após outro e começou a festa.

Os pais de Yuka estavam gratos a Deus, por poderem trabalhar com saúde e pela filha que acabou encontrando seu próprio caminho, graças ao apoio de familiares e amigos. Por tudo deram graças a Deus e oraram.

Yuka estava mais feliz que nunca, Ela havia entendido que tudo tinha seu tempo, não precisava se apressar. E, olhando ao redor, viu uma enorme roda de pessoas e seus olhos começaram a lacrimejar. E começou a cantar:

♪♪♪
Noite feliz!  Noite feliz!  
Ó Senhor  Deus de amor
Pobrezinho nasceu em Belém
Eis na lapa  Jesus, nosso bem
Dorme em paz, ó Jesus
Dorme em paz, ó Jesus
♪♪♪

 

© 2013 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.