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Histórias de Decasséguis

História nº 29: A canção do decasségui

Erik e Emily são irmãos gêmeos. Quando estavam com cinco anos seus pais se separaram e a guarda deles ficou com o pai. Passados dois anos, o pai teve de ir trabalhar no Japão e os gêmeos permaneceram no Brasil aos cuidados dos avós paternos.

O avô tinha uma loja de produtos alimentícios japoneses e a avó, salão de cabeleireiro, portanto, eram bastante ocupados, mas Erik e Emily foram criados com muito carinho e amor.

Embora nikkeis de segunda geração, tanto o avô como a avó gostavam muito de música japonesa, por isso, Erik e Emily desde cedo cantavam cantigas infantis e até canções populares do Japão.

Emily chegou a participar no concurso regional de cantores infantis, mas Erik ficava em pânico e nem podia se mexer, portanto, apresentar-se em público era impossível.

Todos os anos, o pai tirava uns dias de folga e vinha vê-los no Brasil, o que para Erik e Emily era a maior das alegrias. No começo, eles ficavam esperando o pai trazer brinquedos, lápis de cor e games do Japão, mas a partir da quinta série a preferência deles mudou. Sair junto com o pai era o que eles mais queriam.

Emily sempre tomava a frente e pedia ao pai para irem ao shopping, onde escolhia as roupas e acessórios que queria e também experimentava os doces de que tanto gostava.

Erik, mais tímido, não conseguia expressar seus desejos claramente e acabava acompanhando os dois. Claro que ele também ganhava roupas e outros itens como a irmã, mas os seus interesses eram outros.

A avó, percebendo isso, deu a seguinte ideia: “Que tal irmos amanhã ao zoológico? Erik vai gostar e eu vou fazer aquele obento, combinado?”.

“Legal! Só a Batchan pra me entender!” – exclamou Erik feliz.

Infelizmente no dia seguinte choveu. E no dia seguinte também. Portanto, não puderam ir ao zoológico. O pai ficou em casa vendo TV e conversando com as visitas e os 10 dias de folga passaram num instante.

Depois que o pai retornou ao Japão, Erik começou a alimentar umas ideias: “É isso! Papai gosta mais é da Emily!”. Até que um dia abriu o álbum de fotos da família e olhou bem: “Entendi agora! A Emily se parece com o papai e é mais japonesa. E eu, sou a cara da mamãe!”. E lembrou que um colega tinha perguntado um dia: “Cara, por que seu sobrenome é japonês se você tem cara de brasileiro?”.  

Ele passou a desconfiar cada vez mais. A avó tinha contado que quem quis a separação tinha sido a mãe e como ele se parecia muito com ela, achou que o pai não gostava dele nem um pouco.

Meio ano se passou e com a aproximação do aniversário dos filhos, o pai enviou de presente passagens de ida e volta para o Japão.

Eles chegaram no dia 30 de junho e no domingo, dia 2 de julho, justamente no dia do aniversário, Erik e Emily acompanharam o pai à igreja.

Chegando lá, o pai disse que tinha que se preparar e foi para a sala nos fundos. Muito tensos, os dois permaneceram sentados no templo, que foi ficando lotado.  

Em dado momento, ouviram-se vozes vindas do céu:

♪ ♪ ♪ ♪ ♪

Você veio ao mundo para ser amado1
A sua vida é plena de amor

Você veio ao mundo para ser amado
A sua vida é plena de amor

O eterno amor de Deus se manifesta
Em meio aos nossos encontros
Saber que você existe é para mim
A maior a maior das alegrias 

Vendo que seu pai fazia parte do coral e cantava com toda a alma, Emily levantou-se do lugar exclamando “Que legal!” e Erik nem se importou com as pessoas ao redor, saiu também de seu lugar e foi em direção ao pai.

Você veio ao mundo para ser amado
Receba neste momento todo o meu amor

Você veio ao mundo para ser amado
Receba neste momento todo o meu amor

♪ ♪ ♪ ♪ ♪

Os versos finais, o pai cantou em solo e, ao final, Erik disse em voz alta:

- Papai, obrigado! Obrigado! Eu também te amo! – e estendeu-lhe os braços.

Toda a igreja abençoou-os e pai e filhos se abraçaram fortemente.

As primeiras férias de Erik e Emily no Japão foram dias maravilhosos. Erik realizou o sonho de conhecer o Zoológico de Ueno e ficou muito feliz.

E, enquanto observava o urso polar, disse categórico:

- Quando crescer eu quero ser veterinário!


Nota:

1. Kimi wa aisareru tame ni umareta é um hino de louvor composto por I Ming Seop, com letra em japonês de Jin Akihiro. Aqui foi traduzido para dar ideia da letra.

 

© 2017 Laura Honda-Hasegawa

Brazil dekasegi family fiction

Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.